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Sinagoga Espírita Nova Jerusalém

Fundada em 1916 por Antônio J. Trindade

O Espiritismo

Daniel Quinto

Proferida em 19 de setembro de 2015


O espiritismo é uma palavra de uso reservado. Quando estamos falando de espiritismo estamos falando somente da doutrina de Kardec. Sua origem é pode ser considera o ano 1857 quando ele lança o “Livro dos Espíritos”.

Não é possível falar da origem do espiritismo sem falar do contexto em que ele surgiu. Houve uma série e fatos e condições que a doutrina pôde crescer e prosperar.

Então, estamos no século XIX, que compreende os anos de 1801 e 1900. A Europa passa um período de grande transformação, quer seja social, política, cultural e especialmente forte crescimento científico.

Essa fase de evolução das ciências tem início no final do século anterior (século XVIII) com o Iluminismo, e toma corpo em todo século XIX e entra no século XX em movimento ascendente exponencial.

Inicialmente temos que ressaltar que antes disso, tivemos quase um milênio de idade média onde toda a sociedade (ocidental) estava guiada pela religião. A Igreja Católica que era sinônimo de cristianismo moldava e conduzia os caminhos das pessoas comuns, dos dirigentes e dos países.

Depois desse período tivemos a primeira grande ruptura que foi a Reforma Protestante, que pôs em xeque a soberania católica. Não medindo esforços o período seguinte foi da “contra-reforma” ou melhor a tentativa da recuperação da hegemonia do catolicismo.

Mas este período passou e as religiões se acomodaram em seus lugares; embora estejam até hoje, esse ponto deixou de ser o mais importante. Então depois do período de grande importância religiosa, vem período que se chamou Iluminismo.

O Iluminismo, grosso modo é a idéia de que os que nos salva é o uso da razão, do raciocínio; vamos mudar e reformar a sociedade através do uso da razão. Agora não é mais a religião que vai nos salvar, não é só a fé; o foco está na pessoa, no seu pensamento, na sua razão.

O iluminismo influenciou a Revolução Francesa, influenciou a independência dos Estamos Unidos, bem como outras colônias. Como o foco é a pessoa, nasceu daí os ideais de “Liberdade, igualdade, fraternidade” e a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” na França e a “Carta dos Direitos Humanos” nos Estados Unidos.

E dá para perceber que com a ênfase no uso da razão, buscou-se as explicações dos dilemas do homem nos fatos e no raciocínio; no estudo, na busca de informações e provas. E não mais através de conceitos religiosos e mitos.

Com isso, a ciência ganha grande progresso acentuado. O que tem valor é o que é pensado, estudado, racionalizado e provado.

E é assim que chegamos no século XIX. Se antes Deus era o centro de tudo, tudo era voltado para Deus e a religião, agora definitivamente quem ocupa este lugar é o homem. O importante é a evolução do homem, como ele vive, como ele interage com a terra, com a natureza e com os outros homens.

No século XIX as cidades crescem e viram grandes centros; os trabalhos manuais e artesanais vão sendo rapidamente substituídos pelas fábricas.

A Revolução Industrial que havia há pouco tempo começado tem grande fôlego agora e rapidamente muda a cara das cidades e o modo de vida das pessoas.

A vida rural e agrária perdendo importância para a vida urbana; e o trabalho manual vai dando espaço para o trabalho das máquinas.

As máquinas produzem mais e aumenta o comércio; os países vislumbram uma riqueza nunca vista antes.

A ciência agora é a resposta que homem precisa: agora quem explica o mundo e a natureza não é a bíblia, mas as respostas que saem dos laboratórios. O cientista é o novo guru; é ele que tem as respostas que não são mais “achadas”, mas sim pesquisadas e comprovadas.

Não há mais limites para o homem; se antes a religião e os medos o limitava, agora o homem é senhor da situação.

No século XIX houve grande avanço da Química com a descoberta de novos elementos químicos. Novos produtos, novos remédios. A física avançou com a utilização do vapor, da eletricidade, do magnetismo, grandes ferramentas para construção de máquinas.

O cientista no seu laboratório fazendo experiências, o pensador no seu escritório formulando teorias complexas sobre a vida, sobre a sociedade. A produção científica está no auge; nada mais é segredo, tudo está ao alcance do homem conhecer.

E é justamente neste clima, neste lugar que aparece o espiritismo.

Kardec, psdeudônimo de Hippolyte Leon Denizard Rivail, francês, é um homem culto, falava fluentemente 5 línguas, nascido de boa família, volta seus estudos para a área de humanas, mais precisamente para área da educação.

Ele vai estudar na Suíça com Pestalozzi, tornando-se seu discípulo. De volta à França trabalhou 30 anos ao ensino e à didática, escrevendo vários livros e teorias sobre o progresso da educação de sua época.

“Em 1855, depara, pela primeira vez, com o fenômeno das mesas que giravam, saltavam e corriam, em condições tais que não deixavam lugar para qualquer dúvida. Passa então a observar estes fenômenos; pesquisa-os cuidadosamente, graças ao seu espírito de investigação, que sempre lhe fora peculiar, não elabora qualquer teoria pré-concebida, mas insiste na descoberta das causas. Aplica a estes fenômenos o método experimental com o qual já estava familiarizado na função de educador; e, partindo dos efeitos, remonta às causas e reconhece a autenticidade daqueles fenômenos. Convenceu-se da existência dos espíritos e de sua comunicação com os homens. ”

Kardec então conduz o espiritismo dentro de toda a metodologia científica que fervilhava na época.

Ele não tem intenção de criar uma religião; ele vai tentar descobrir as causas do fenômeno usando o método científico.

Mas enquanto ele descobre que a causa do movimento das mesas ou das “mesas falantes” era um princípio inteligente, ou seja, era alguém que produzia aquilo.

E então seu descobrimento vai ficando mais e mais complexo. De repente ele se viu em um mundo que até então não se imaginava ser possível: que os espíritos, que na verdade eram pessoas que haviam vivido aqui na terra, influenciavam a vida aqui.

Como bom pedagogo que era tratou logo de organizar as idéias, organizar os conceitos.

Kardec então é conhecido como o codificador do espiritismo.

Codificar significa: identificar, organizar, classificar, dividir por semelhanças, criar critérios de classificação. Em resumo, organizar tudo em uma ordem lógica e entendível.

É assim que em 1857 ele nos apresenta “O Livro dos Espíritos”; é o relatório de tudo que ele pesquisou nos últimos anos. Tem a organização dos temas, das partes que foram pesquisadas, as conclusões que se chegou a cada módulo.

Resumidamente, o que nos traz o espiritismo:

  1. Existe a alma; somos dualistas. Há vida após a morte;
  2. Os espíritos vivem num mundo que é invisível para a maioria das pessoas, mas que sentimos sua influência. É possível interagir com este mundo através de certas pessoas que são dotadas da capacidade de vê-los, ouvi-los e etc. As almas desencarnadas não estão longe em um lugar desconhecido. Elas estão aqui juntas conosco. Vida material e espiritual se misturam.
  3. Há consequência em tudo que fazemos, e isso interfere na nossa vida futura. O espiritismo ampliou o significado da lei da causa e consequência. A consequência não é só uma vida eterna, mas sim uma consequência que vai para as outras vidas.

Deste modo o espiritismo amplia nossa visão do mundo e da natureza. Agora temos que levar em conta que há uma outra força que interage conosco: os espíritos. É um mundo novo que antes aparecia somente na teoria, mas que agora ganha dimensão de ciência. Dá pra testar, experimentar, comprovar.

Agora amplia nosso sentido de causa e efeito: antes imaginávamos as consequências dos nossos atos dentro de uma só vida; agora vemos a infinitude do ser: o que fazemos hoje tem resultados mais longos. Ao mesmo tempo o que somos agora já é consequência do que fizemos antes.

Agora faz sentido as diferenças individuais: temos uma história pregressa que é muito maior do que desde nosso nascimento. Não existem pessoas mais ou menos ineptas: existem pessoas que são mais “antigas” e outras com menos bagagem.

Compreendemos melhor agora nosso espaço aqui. É para aprimoramento, é para aprendizagem, é para melhoria do nosso próprio ser. Mas nos aprimoramos fazendo o nosso semelhante vir conosco também. Só faz sentido quando todos evoluem juntos.

Nossa visão de moral e de ética ficou mais complexo. Nada nos está oculto, então a nossa moral não depende se está alguém vendo ou não; nós é que somos juízes dos nossos atos. Nada é oculto. E em relação à ética, melhora consideravelmente nossa relação ao nosso semelhante, porque ele também é um ser que está evoluindo, assim como eu. E se nos ajudarmos mutualmente fica mais fácil para ambos. Todos ganham e ninguém perde, porque não é uma competição pela vida. Todos já têm a vida!

E Kardec de posse desta nova consideração – o mundo dos espíritos, vai resgatar os ensinamentos de Cristo sob essa nova ótica! Se até então não se considerava que haviam espíritos tão próximos a nós, vamos tentar explica-los agora sob este novo conhecimento.

E assim “O Evangelho Segundo o Espiritismo” é o livro que tenta explicar os ensinamentos do Novo Testamento considerando esse novo conhecimento. Desta forma, o espiritismo não vem destituir nada do que nos foi ensinado por Moisés, pelos profetas ou por Cristo: ele veio somar, trazer mais entendimento, para esse novo homem agora do século XIX que tem uma visão mais ampla do mundo e da natureza.

Kardec define o Espiritismo como “Filosofia, ciência e religião”.

O Espiritismo é Filosofia no sentido socrático mais da palavra: é o homem usando sua razão para explicar sua existência aqui. É o homem que pensa em seus atos, que pensa nas suas ações e sabe que “a verdade” é muito mais ampla do que seus cinco sentidos recebem. Há mais coisas que são invisíveis aos nossos olhos, que as paixões terrenas nos cegam. O filósofo (que é o amante do saber) é uma pessoa mais voltada ao espírito do que ao corpo.

O Espiritismo é Ciência porque é pela metodologia científica que ele adquire o conhecimento e não é através de mitos ou saberes “à priori”. Seu conhecimento é sempre o máximo que seu entendimento consegue ter. A ciência se aprimora e o espiritismo se aprimora também.

O Espiritismo é Religião no sentido em que nos “religa” com o criador. Que nos faz melhorar nosso entendimento de Deus e das coisas sagradas. Mas ele não é uma religião que tem dogmas, não tem rituais, não tem liturgia.

E o espiritismo não é uma doutrina “excludente”: ela é um entendimento que abarca as pessoas de qualquer crença, raça, sexo e grau de entendimento. O espiritismo não é impositivo, ele não se considera detentor “da verdade” e porisso mesmo impositivo aos outros (havemos de considerar que as religiões se dizem únicas detentoras de todo o saber e toda a verdade, sendo que consideram “os outros” como menores e mentirosos). O espiritismo é reativo, ou seja, a própria pessoa que o busca. Ela não se impõe como resposta a tudo, mas se propõe a buscar a respostas junto com a pessoa; aproveitando o que o próprio sujeito tem de conhecimento.

E como o Espiritismo não é uma religião, logo o trabalho de Kardec é o princípio, é ponta do iceberg que se despontou. Como ele bem disse “é uma obra incompleta”, porque a busca da verdade é incessante.

Assim aqui estamos: para usufruir e continuar no aprimoramento do Espiritismo.

“Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar, tal é a lei” Tumulo de Allan Kardec.